Subcontratado por entidade ligada
ao PC do B, João Batista Machado, afirma que dinheiro que serviria para pagar
alimentação de crianças foi parar nas mãos de políticos.
O dono de uma empresa
subcontratada para fornecer alimentos a crianças atendidas por um programa de
esportes do governo federal diz que cerca de 90% dos R$ 4,65 milhões que
recebeu dos cofres públicos entre 2009 e 2010 foram desviados para políticos de
Brasília, Santa Catarina e Rio. "Era tudo roubo. Vi maços de dinheiro
serem distribuídos", afirma o dono da JJ Logística Empresarial Ltda., João
Batista Vieira Machado, em entrevista exclusiva ao Estado. Machado diz que foi
usado em um esquema montado para fraudar o Segundo Tempo, programa do
Ministério do Esporte que atende crianças em atividades físicas em horário
extraescolar. A microempresa sediada no município de Tanguá, na região
metropolitana do Rio, foi subcontratada pelo Instituto Contato, entidade sem
fins lucrativos dirigida por integrantes do PC do B de Santa Catarina que
mantinha dois convênios com o Ministério do Esporte. Machado tinha de fornecer
lanches para as crianças. O dono da JJ Logística, porém, afirmou ao Estado ter
fornecido alimentos cujo valor atingiu apenas R$ 498 mil. Os outros R$ 4,15
milhões saídos dos cofres públicos federais que teriam de ser usados para o
fornecimento de lanches para as crianças acabaram desviados "para fins
políticos", segundo as palavras de Machado. Irregularidades no Programa
Segundo Tempo já custaram o cargo do então ministro do Esporte Orlando Silva,
demitido pela presidente Dilma Rousseff em outubro do ano passado - a pasta
hoje é comandada por Aldo Rebelo, também do PC do B. No último dia 7 de
outubro, Orlando não conseguiu se eleger para o cargo de vereador de São Paulo.
O dono da JJ Logística aponta como responsáveis pelos desvios a ONG catarinense
que a subcontratou e o empresário José Renato Fernandez Rocha, o Zeca,
ex-assessor parlamentar do deputado federal Dr. Paulo Cesar (PSD-RJ). "O
dinheiro vinha do Ministério do Esporte para a ONG de Santa Catarina, que
passava para cá. Daqui sacava o dinheiro e mandava de volta para Brasília e
Santa Catarina. Retornava o dinheiro todo", afirma o empresário. "O
José Renato (Fernandez Rocha) sacava o dinheiro, colocava numa sacola e levava
tudo embora para Brasília e Santa Catarina", diz o dono da JJ Logística,
que alega não saber exatamente para quais políticos o dinheiro era encaminhado.
Um terceiro personagem, identificado pelo denunciante como Wellington Monteiro,
era o articulador entre as pontas do esquema no Rio, Brasília e Santa Catarina.
Mentira anterior
Em fevereiro de 2011, o Estado
revelou as primeiras irregularidades envolvendo o Instituto Contato. Além de
problemas formais e de prazo na execução dos projetos, a reportagem mostrou que
a entidade promovia aulas de tênis na rua e com raquetes de plástico e fornecia
suco fora do prazo de validade. Procurado na época, Machado confirmou que
fornecia lanches para a ONG catarinense, mas citou os desvios. "Fui
orientado pelo José Renato a mentir naquela ocasião", diz Machado. O dono
da JJ Logística afirma ter sido "laranja" do esquema. Ele diz que se
apresentará amanhã à Polícia Federal para prestar depoimento. Machado também
promete levar documentos para as autoridades: notas fiscais, contrato social e
alterações e cópias de cheques emitidos. A documentação, a qual o Estado teve
acesso, mostra que a JJ Logística pagou no período em que recebia repasses do
Programa Segundo Tempo contas de condomínio em Cabo Frio, na Região dos Lagos
do Rio, faturas de lojas de material de construção, oficinas mecânicas e lojas
de tinta. Todos os cheques são assinados por Fernandez Rocha, que também usou
as folhas para sacar quase R$ 2 milhões. O contrato social mostra que foi
Fernandez Rocha quem fundou a JJ Logística em abril de 2005. Mesmo depois que a
transferiu para João Machado em fevereiro de 2008, continuou assinando os
cheques da companhia. Além de atuar na JJ Logística, Fernandez Rocha também é
sócio da MLH Comercial Ltda. A empresa recebeu R$ 1,35 milhão da ONG ligada ao
PC do B. Machado diz ter decidido denunciar o esquema por ter sido enganado por
Fernandez Rocha. "Éramos amigos, mas quero botar eles na cadeia. Peguei
empréstimos de R$ 280 mil e agora me viraram as costas", diz o empresário.
"O Segundo Tempo é complicado. É por isso que decidi falar. Para me livrar
ou para me enterrar mais. Porque depois que você entra numa dessas, você fica
vulnerável com esses caboclos e pode tomar um tiro a qualquer momento."
Pasta encerra contratos e afirma
que vai apurar denúncias
O Ministério do Esporte informou,
em nota ao Estado, que vai apurar as denúncias do empresário João Batista
Vieira Machado de que houve desvios de recursos no Programa Segundo Tempo. Os
dois convênios da pasta com o Instituto Contato foram rescindidos. O Portal da
Transparência do governo federal informa, no entanto, que o primeiro convênio
do ministério com o Instituto Contato, no valor total de R$ 13,84 milhões, foi
integralmente cumprido. O outro contrato, cuja vigência se encerraria no fim de
dezembro, era de R$ 6,24 milhões, também segundo o Portal da Transparência.
Neste caso, a nota do Ministério do Esporte informa que, por causa das
irregularidades encontradas, foi instaurada uma Tomada de Contas Especial, que
está em fase final de tramitação. Também por nota enviada à reportagem, o
Instituto Contato informou que "ratifica sua idoneidade" e nega as
acusações de Machado, dono da empresa JJ Logística. A entidade, dirigida por
Rui de Oliveira, que é filiado ao PC do B de Santa Catarina, também afirma que
prestou contas ao Ministério do Esporte. O Instituto Contato foi incluído no
Cadastro de Entidades Privadas sem Fins Lucrativos Impedidas (Cepim) - relação
de instituições impedidas de celebrar convênios ou parcerias com o poder
público. Sem retorno. No início da tarde de sexta-feira, o Estado entrou em
contato com José Roberto Fernandez Rocha, acusado ser um dos responsáveis pelos
desvios no Programa Segundo Tempo, e explicou que publicaria as acusações de
Machado contra ele. Alegando que não poderia falar naquele momento, ele pediu
para que fosse procurado mais tarde. A reportagem ligou mais de dez vezes para
os telefones dele e deixou recados, mas não houve retorno até esta edição ser
concluída. Fernandez Rocha foi candidato a vereador em Cabo Frio (RJ) pelo
PMDB. Teve apenas 871 votos.
Informações de O Estado de São
Paulo.
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