No Brasil, não há registros na
história recente de um processo que demonstre tanta harmonia entre o
significado da estátua encravada na entrada do STF e o ocorrido em seu plenário
durante o julgamento do mensalão
Mário Simas Filho – do portal da
revista ISTOÉ
Em todo o mundo a Justiça é representada
pela imagem de uma jovem deusa (grega ou romana) com os olhos vendados.
Trata-se de uma simbologia para reafirmar a máxima maior do direito de que
todos são iguais perante a lei. No plano metafórico, com os olhos tapados não
se faz distinção nem se assegura tratamento diferenciado àqueles que estão
sendo julgados. No Brasil, não há registros na história recente de um processo
que demonstre tanta harmonia entre o significado da estátua encravada na
entrada do Supremo Tribunal Federal e o ocorrido em seu plenário principal
durante o julgamento da Ação Penal 470.
Em um país acostumado a ver a
impunidade assegurada aos que estão no andar de cima, surpreendeu positivamente
o chamado julgamento do mensalão. Nas últimas semanas, a deusa da Justiça não
viu que no banco dos réus estava perfilado o poder. O ex-ministro José Dirceu,
que durante anos foi seguramente o segundo homem mais poderoso da República, e
líderes partidários de legendas com assentos na Esplanada dos Ministérios foram
sentenciados como criminosos comuns. A banqueira Kátia Rabello e seus
principais auxiliares no Banco Rural receberam penas como as que costumam ser
aplicadas àqueles que não têm saldo médio suficiente para possuir cheque
especial. Empresários como Marcos Valério e seus sócios foram submetidos ao
tratamento normalmente dispensado aos que não têm emprego.
Desnorteados diante da saudável
cegueira apresentada pelos ministros do STF, muitos procuram tratar as decisões
da corte como ações típicas dos tribunais de exceção. Nada mais falso. Aos réus
foi assegurada a ampla defesa em todas as fases do processo. A favor deles
argumentaram os mais renomados e bem remunerados criminalistas do País, tudo
com transparência absoluta. Ninguém foi constrangido, nenhuma testemunha
desprezada ou pressionada. Um olhar desapaixonado não permite outra conclusão
que não seja a de que o STF cumpriu seu papel e postou-se como verdadeiro
guardião do Estado Democrático de Direito às duras penas conquistado, inclusive
por alguns dos agora condenados, desta vez por corrupção e formação de
quadrilha e não mais por atentar contra uma inaceitável Lei de Segurança
Nacional.
A jovem deusa postada na entrada
do STF tem em seu colo uma espada. Trata-se da representação da força e do
poder de suas decisões. Aos ministros togados cabe, agora, empunhar essa espada
para que suas sentenças sejam mesmo cumpridas, e o maior desafio: fazer com que
a venda continue tapando os olhos da Justiça em todas as suas instâncias e não
apenas nos tribunais superiores ou nos processos que têm espaço midiático.
Assim como há criminosos dos andares de baixo para serem julgados, existe mais
gente do andar de cima acomodada no banco dos réus. E como, no caso do
mensalão, são políticos, banqueiros e empresários. Se a cegueira do STF contagiar
de vez nosso Poder Judiciário, o Brasil terá muito a comemorar.
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