Por Priscilla Borges - do iG.
Dados mostram que 4 Estados
possuem mais de dois médicos para cada mil habitantes, a maioria no Sudeste; em
5 estados, há menos de um médico para atender mil pessoas.
Em Marechal Thaumaturgo, no Acre,
quatro médicos “cadastrados” – o que significa com registro no Conselho
Regional de Medicina do Estado – se revezam no atendimento da população. Eles
contam com o apoio de mais quatro médicos estrangeiros, que não têm o diploma
validado ainda, para auxiliá-los no atendimento dos 15 mil habitantes do
município. Os estrangeiros são os únicos que moram na cidade. Os outros vivem
em Rio Branco. Distante 700 quilômetros da capital, o município conta com um
hospital, mas a estrutura não permite atendimentos de média complexidade.
Nesses casos, é preciso sair da cidade, de avião ou de barco. As dificuldades
vividas pelos moradores de Marechal refletem o que há por trás das estatísticas
disponíveis sobre a distribuição dos médicos em todo o país. A desigualdade de
oferta e atendimento ocorre em todo lugar. Apenas 4% dos profissionais
brasileiros, registrados nos conselhos, estão na região Norte. A proporção é de
0,9 médico por 1 mil habitantes na região. Para o Ministério da Saúde, a
relação é muito baixa. Está abaixo da média nacional, de 1,8 médico por 1 mil
habitantes, também considerada aquém do necessário para o país. O número é
inferior ao do Reino Unido (2,7), cujo sistema de saúde é universal, Argentina
(3,2) e Uruguai (3,7). Dos cinco estados brasileiros com menos de 1 médico para
atender cada 1 mil habitantes, três estão na região Norte e dois no Nordeste. A
pior situação é a do Maranhão, com relação 0,58 médico por 1 mil habitantes. Do
total, 21 Estados estão abaixo da média nacional usada pelo governo, cujo ano
de referência é 2012. O Distrito Federal tem a maior proporção de médicos por
habitante (3,46), segundo o levantamento (confira mapa). A referência é a mais
utilizada para definir a quantidade de médicos no país. Apesar de revelar
desigualdades, ela ainda esconde diferenças maiores dos municípios. Em uma
mesma cidade, a realidade das periferias, áreas pobres e de conflitos não é a
mesma das demais em termos de oferta de médicos. Nessas regiões, os médicos são
ainda mais escassos. O mapa do Estado de São Paulo ilustra bem a situação:
57,6% desses profissionais estão na região metropolitana.
Carências
De acordo com o Ministério da
Saúde, dos 360 mil médicos em atividade no Brasil em 2012, 206 mil trabalhavam
na região Sudeste. Um estudo da Estação de Pesquisas de Sinais de Mercado da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) sobre a escassez de médicos no país
mostra que cerca de 1,3 mil dos 5.565 municípios brasileiros possuem um médico
para atender cada 3 mil habitantes. Do total de cidades, 7% não possuem médicos
que morem nesses locais. E a projeção do governo é de que o déficit de médicos
aumente. Marechal Thaumaturgo é um dos 1.568 que pediram médicos pelo Programa
de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab) e não conseguiram. Em
todo o país, 55% das 2.867 cidades que pediram os profissionais não receberem
nenhum. As primeiras seleções do programa, a maior aposta do governo para a
interiorização de médicos, abriram 13 mil vagas e 3,6 mil foram preenchidas. Além
da demanda do programa que financia profissionais com bolsas de R$ 8 mil e
concede bônus de 10% em programas de residência depois aos participantes, o
Ministério da Saúde estima criar 35 mil postos de trabalho (confira tabela)
para médicos até 2015. As vagas surgirão em hospitais, unidades básicas de
saúde e de pronto-atendimento. “Ainda formamos poucos profissionais para o
tamanho das nossas carências e diferentes pesquisas mostram isso. Somente na
medicina surgem mais empregos que profissionais. Há um grande desafio há ser
resolvido e não é uma política isolada de saúde que vai resolver, mas há essa
necessidade de médicos”, analisa o coordenador da Estação de Pesquisas de
Sinais de Mercado da Universidade Federal de Minas Gerais, Sabado Girardi. Antônio
Carlos Figueiredo Nardi, presidente do Conselho Nacional de Secretários
Municipais de Saúde (Conasems), reforça o coro da falta de profissionais na
maioria das cidades do país. Secretário em Maringá, município do Paraná que possui
um dos melhores índices de qualidade de vida do Brasil, ele conta que nove
equipes de saúde da família de lá estão sem médicos. Dos 16 profissionais
aprovados no último concurso, apenas cinco assumiram a vaga. “Essa é a minha
realidade, em uma cidade grande, planejada. As dificuldades no interior são
muito maiores. A realidade é que faltam médicos para atender no serviço público
e na atenção básica de saúde. Por isso, defendo a vinda de estrangeiros para
cá”, desabafa. O Conselho Federal de Medicina discorda. Para a entidade, a
carreira precisa ser reformulada, garantindo estímulos para que o médico vá
para essas regiões carentes. Aloizio Tibiriçá, vice-presidente do CFM, diz que
o Estado precisa assumir a responsabilidade de suprir a carência de profissionais
e condições de trabalho nas regiões mais inóspitas. “Seria preciso um incentivo
público para que se fixassem médicos nesses locais, com estrutura e equipes
adequadas, garantia de formação continuada nesses locais, que, muitas vezes,
são como praças de guerra. Isso não é atrativo, é preciso ter condições de
trabalho”, critica. Os dados mais recentes do CFM, de 2013, já registram 387
mil médicos e uma relação de 2 médicos por 1 mil habitantes no país. O governo
não usa os números porque diverge das metodologias usadas na contagem.
Medidas polêmicas
Uma das propostas mais polêmicas
anunciadas pelo governo para suprir a falta de médicos nas regiões de interior
e periferia é a atração de médicos estrangeiros. O ministro da Saúde, Alexandre
Padilha, garante que a seleção só será feita para vagas que os brasileiros não
quiserem assumir. Cerca de 10 mil postos devem ser oferecidos. Elias de Souza
Moura, obstetra acreano, é contra a medida. “É um paliativo”, diz. Morador da
cidade de Sena Madureira, distante 144 km da capital do Acre, ele trabalha há
27 anos na rede pública do município. “As dificuldades aqui são grandes, de
distância e acesso aos municípios. Temos uma faculdade que forma 40 médicos por
ano e nenhum vai para o interior”, afirma. Arinaldo Leal, presidente da
Associação Piauense de Municípios (Appm), também defende que as políticas sejam
mais abrangentes. “Não é só uma questão de ter médico. É tudo muito complexo. O
SUS paga pouco aos profissionais, eles precisam de infraestrutura adequada e
precisamos pensar como fazer essas pessoas viverem longe dos grandes centros”,
comenta. Keyser Alan dos Santos Bastos, secretário municipal de saúde do
município acreano de Marechal Thaumaturgo, de 37 anos, não vê possibilidades de
solução para os pequenos municípios sem os estrangeiros. Ele lembra que só os
peruanos que atuam em sua cidade aceitam morar lá. Os outros se revezam a cada
semana no atendimento da cidade, que ainda possui duas unidades de saúde na
área rural. Para chegar lá, é necessária uma viagem de um dia de barco. Os
médicos só passam lá uma semana por mês. No resto do tempo, um enfermeiro e um
técnico atendem à população. “Outros profissionais, como enfermeiros e
psicólogos vão para o interior. Por que o médico não? Eles querem ficar nos
grandes centros porque sabem que a vida é melhor. A gente abdica de muita coisa
para ficar no interior”, comenta.
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